Nunca temos tempo para nada.
Reclamamos constantemente que os nossos dias deviam ter 48 horas em vez das curtas 24 que o relógio nos oferece.
O tempo é curto para dormir, é curto para o trabalho e raramente se mostra suficiente para afectos ou para nós mesmos.
Somos absorvidos pela azáfama generalizada. Criamos um ritmo frenético em tudo sem nos apercebermos que não é o tempo que é curto... somos nós que o fazemos escasso e minguado porque acumulamos verbos mais do que conseguimos declinar e concretizar.
Nem temos tempo para darmos conta que não é a vida que é ingrata... a ingratidão parte de nós... somos nós que escrevemos e escolhemos a nossa vida.
O nosso calendário dos afectos, quando muito, fica bem definido a duas ou três situações anuais, que nos fazem, por alguns instantes dar algum valor ao que sentimos e ao que realmente importa... amar.
Corremos para ter tempo para o dia de aniversário. Lembramos que amamos no Natal, Páscoa e pouco mais... e mesmo assim enganamo-nos (conscientemente) de que realmente estamos a amar... mas não... estamos apenas a tentar encaixar o verbo amar num tempo reduzido a um presente, a um jantar ou almoço que foi comprado ou programado entre uma correria ou uma agenda sobrecarregado de afazeres.
2020 fez-nos descer um pouco à terra. Fez-nos reservar mais algum tempo para nós e para esse exercício difícil que é pensar e avaliar a nossa vida.
Este ano, o Natal, a passagem de Ano vão ser tão diferentes... Tudo vai ser tão distante e frio.
Andamos desgostosos e alarmados porque não teremos os nossos mais queridos juntos nas festas...
Mas já pensamos que há um ano, longe de imaginar que o mundo ficaria virado do avesso por causa de uma "chinesice" qualquer, quando decidimos calendarizar os afectos, talvez não o tenhamos feito a preceito?
Talvez porque não tivemos tempo para dizer, pensar, abraçar, amar, mimar e tantos outros verbos de afecto com o devido "calor" que pretendíamos.
Hoje, como não temos o (ou os) que queremos, lembramos o (ou os) que perdemos ou desaproveitamos ontem.
Esta mania de calendarizar à pressa e limitar os afectos ao pouco tempo que conseguimos a custo arranjar... resulta depois neste peso na consciência, tão vulgar e humano, do: "se ao menos soubesse que ia ser assim tinha aproveitado mais, tinha amado mais, tinha abraçado, beijado..."
Não é a pandemia que nos rouba ou subtrai os afectos... somos nós.
Para amar, são precisos, pelo menos dois... e amanhã a equação pode estar reduzida a um... e o amor póstumo não nos preenche plenamente a alma.
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