segunda-feira, 30 de setembro de 2024

 

52 ANOS

Faz hoje 52 anos que, diz um papel já velho e maltratado, nasci em Luanda, Angola... terra onde os meus mais se conheceram.

Contava-me a minha mãe que vim cheio de pressa de nascer, bem de madrugada, antes do sol aparecer. Sem grande esforço e em tal correria que, com a pressa toda, me embrulhei no cordão umbilical e fiquei meio aflito e sem ar.… depois, a plenos pulmões decidi mostrar ao mundo que tinha boa voz (para berrar mas não para cantar).

Obviamente não tenho qualquer lembrança do momento. Vale-me o registo da herança oratória da minha mãe e de meu pai.

Aliás, de Luanda, curiosamente tenho várias memórias dos meus 2/3 anos (antes de regressar a Portugal). Não é muito normal em tão tenra idade ter essas lembranças, mas eu tenho e não foram histórias contadas... são memórias bem vincadas.

A casa no areal da praia, da Av da Boavista, baía de Luanda, o mar, o ver os navios ao longe sentado na areia com a minha mãe e o meu pai a pescar. A casa, o carro, o comboio que passava perto, na frente da casa.

A minha primeira ida ao cinema, ao ar livre. Cinema da Textang... um filhe do “Trinitá” com muitos cowboys e tiros. A lembrança de ver um avião a passar baixinho por cima da plateia do dito cinema. As luzes florescentes do bar desse dito cinema. A viagem de regresso a Portugal, a fugir do início da guerra, com os meus tios. O avião, os pasteis de nata que decidi surripiar e comer, com o meu primo, na inocência de não saber que aquilo não era para mim...

Enfim... tudo isto começou há 52 anos, a 30 de Setembro, numa tórrida Luanda.

A minha mãe tinha “apanhado” o meu pai na conversa dela 9 meses antes. Ele não queria mais nenhum filho, já bastava o meu irmão mais velho Zé. Mas a menina Arlete, com o seu ar cândido e beleza de estrela de cinema decidiu que haveria de vir outro e, oito anos depois do Zé, o Néné não resistiu aos encantos a Arlete e pronto... o resto são 52 anos de histórias.

Não sei com que propósito vim ao mundo. Sei que foram 52 anos de muitas peripécias, coisas boas e tropelias.

Tenho a certeza de que a Dona Arlete hoje, se estivesse aqui, estaria a recordar tudo isto com um sorriso rasgado no rosto e a aconchegar-me a cabeça no seu regaço, com o mesmo mimo de há mais de meio século. O seu menino, o seu bebé de barba feita e a caminho da velhice, mas que teimosamente nunca deixaria de ser o seu pequeno.

Não gosto muito de celebrar o meu aniversário. Não sei bem porquê... mas guardo esta vontade de tentar imaginar, há 52 anos, um menino rechonchudo a nascer à pressa, pelas 5 da manhã, na tão amada Luanda.

Imaginar o rosto sacana e cheio da felicidade da minha mãe a pensar que valeu bem a pena. E o sr Nené, que 52 anos depois começou o dia a ligar-me para me dar os parabéns, deve recordar com um sorriso esse momento. 

Espero que tenha valido a pena.