Amanhã, 30 de Setembro, seria supostamente um dia marcante (para aquela vulgar contagem a que teimamos dar tanta importância que é os anos de vida). Farei 50 anos.
Muitos dos meus mais próximos, entusiasmados com tal numero redondo, questionam-me se irei fazer festa de arromba e celebrar em grande o meio século... "só se faz 50 anos uma vez".....pois, mas também só se faz uma vez os 49 e os 51....
Celebrar o meu aniversário nunca foi algo que me preenche-se ou pelo qual eu vivesse numa ânsia festiva.
Nunca senti um grande à-vontade perante um coro a cantar-me os parabéns, mas também receber presentes nunca foi algo que me deixe assim tão feliz ou realizado.
Prefiro oferecer... sim, oferecer deixa-me pleno.
Gosto de ver a surpresa e a emoção na cara dos outros quando posso oferecer ou presentear alguém.
Dos maiores tesouros que guardo em mim são as expressões que o meu filho (agora já com 23 anos) esboçava a cada prenda ou surpresa que lhe fazia ou oferecia, mas isso são outras histórias, para outras linhas.
Nunca dei importância ao meu aniversário e talvez sei o porquê.
Na minha infância vivi momentos felizes mas dos quais tenho poucas memórias, das primeiras festas que os meus pais organizavam.
As vicissitudes da vida levaram a que essas festas, a 30 de Setembro, fossem subtraídas, de alguma forma, do calendário.
A minha mãe teve problemas de saúde, internamentos, e o meu pai (que ficara sozinho comigo) era mais pragmático na vivência do dia a dia. Nunca me faltou nada, mas era diferente.
Além disso, a humildade do nível de vida dos meus pais nunca dava para grandes coisas. Acreditem que eles faziam das tripas coração para dar tudo aos filhos. O que eles passaram, meu Deus, para que aos os filhos nada faltasse.
Aos 10 anos, por opção minha, a incursão em colégios para seguir os meus estudos e vocação afastaram-me do seio familiar, logo (e porque 30 de setembro está em pleno ano escolar), nunca havia lugar a festas e bolo de aniversário, prendas ou afectos mais próximos.
Isto moldou a minha forma de vivênciar o meu dia de anos. Passou a ser um dia igual aos outros.
Há, no entanto, uma coisa que sempre me fez sentir feliz ao ponto de o desejar de forma especial naquele dia: um telefonema ou uma carta de minha mãe.
Até há uns anos (antes da minha mãe começar a acusar o peso dos anos e da doença com esquecimentos), eu emocionava-me, chorava até, com o telefonema, ou a carta, no tempo delas, da minha mãe para me dizer tão só: "Feliz aniversário filho. Espero que seja mais um ano de felicidade", ao que eu respondia: "Feliz aniversário mãe, porque há uns anos atrás se eu nasci alguém teve se ser mãe outra vez".
Não imaginam o quanto isto significava para mim. Sempre valeu mais do que o melhor presente do mundo. Era tudo, era a razão de eu viver aquele dia.
Nos idos anos 80, imaginava a minha mãe, tantas vezes ao frio outonal, a correr para a casa da sua madrinha, lá no fundo da aldeia, onde estava instalado o único telefone do povoado, para me ligar e mandar chamar ao pbx, para me dizer aquela declaração de amor. Ou o cuidado que ela tinha em escrever uma carta, a contar os dias para que chegasse no dia 30, com uma nota de 50 ou até 100 escudos lá dentro como prenda.
Até meados dos anos 90 não havia telemóveis, a internet era uma modernice inacessível a quase todos... mas lá ela ligava para casa ao fim do dia para me deixar ser a pessoa mais feliz do mundo.
Depois, vinha a meia noite e o dia 30 de setembro passava a ser um dia no calendário recente que ser foi.
Vinte e um dia depois, em Outubro, era a minha vês de lhe ligar e dizer o quanto a amava pelo seu aniversário.
Quanto ela gostava disso.
Este ano, o dia 30 de setembro reserva-me os 50 anos. Numero redondo e bonito... mas não terei a minha prenda. Não terei a minha carta e o meu telefonema. Não ouvirei do outro lado a voz que me embala.
O Kito de sua mamã não terá direito àquela corrida ao telefone publico, único na aldeia, para ouvir a sua voz dizer: "feliz aniversário filho".... serei feliz por ti mãe. Pelas corridas que deste aldeia abaixo, pelas cartas que escreveste, pelo amor que me dedicaste, pelo teu simples olhar ternurento, a enfeitar o sorriso mais perfeito do mundo.
O dia vai passar, o telemóvel vai estar mudo. Vou ligar ao pai. Sim, porque há 50 anos se eu nasci é porque alguém foi pai também.
Ele não liga muito a estas festas, mas recusou-se a celebrar o aniversário dele há uns meses.
Se calhar porque não tinha a sua "velhota" (velhos são os trapos dizias tu em tom repressivo), a morder-lhe a bochecha e a dar-lhe um abraço.
São 50 anos mãe, amanhã... e parece que ainda agora tudo vai começar, mas de uma forma diferente.